sábado, 30 de março de 2013

Choro




Daí, tento levar uma vida normal. Felicidade?
Minha filha me cobra alegria. Não que eu seja infeliz.  Não me sinto exatamente infeliz. Me sinto em paz. Me sinto, apenas... É bom ter consciência de si mesmo.
Só sinto que vejo muito mais do que via, e a intensidade do que vejo, a luz é muito forte, faz com que meus olhos doam, e choro. Além de ver muito, demais... E choro.
Também ouço muito... E choro.
Choro pelo que sei. Sinto muito, tudo, todos... E sei o que não sabia. E talvez nunca tenha querido saber... e muito menos agora. Mas sei. E choro.
Choro também pelo que não sei. Tem coisas que não entendo. E talvez nunca vá entender. E choro.
Sei que tenho que viver.
Sei que Deus vai me levar daqui. Quando, nem onde, não sei. Espero ir para outro país. Onde eu possa ser olhada sem rótulos, sem aquele olhar incontestável de impertinente arrogância, que me diz escancaradamente: _Já sei quem é você! Da forma mais debochada e desumana.
Espero um dia, ser apenas eu...  apenas eu, e mais nada. 




Em carne viva



Não me sinto leve, nem solta, nem livre. Me sinto pesada. Machucada. Quebrada. Juntando os pedaços.
Sabe aquela leveza de olhar para o sol, de ver os pássaros, de sentir a brisa...  E de simplesmente rir da vida!?
Não... Se sinto o sol, me ressinto do seu calor. Ao ver os pássaros, me emociono... Com a brisa, me vejo querendo segui-la, sem querer saber onde ela vai, ou quando vai parar... Quero apenas ir!
É como se minha pele tivesse sido arrancada. Então, uma película, muito fina, quase uma membrana, um ensaio tímido de algo que um dia vai querer virar pele... essa membrana tomou o lugar da minha pele.
Assim, tudo me atinge de uma forma muito mais intensa. Não tenho riso fácil. Tenho um choro fácil.
E choro.
Choro com a alegria de ver um pássaro cantar. Choro quando um olhar ferino me corta a pele... Mesmo que ele me seja lançado pelas costas. Daí ele abre sulcos que  descem pelos ombros e revelam meus ossos. Daí, eu choro.
Choro quando minha filha, num ímpeto de pura devoção, estende os braços, me abraça e me diz, tomada de crua sinceridade:
“-Mamãe, eu sempre vou te amar. Haja o que houver estarei sempre do seu lado!” Tem como não chorar, ouvindo essa declaração?
Choro, quando oro, e sinto que Deus, em sua eterna misericórdia, conforta meu coração e me diz: “-Fique feliz, o seu choro tem dia e hora pra acabar! Eu recolho todas as suas lágrimas e logo vou revertê-las em riso!” Me lembro que inumeravelmente feliz é aquele que chora pois Deus o consolará.  Então eu choro. Tem como não chorar sentindo esse consolo divino?
E choro.
Choro quando me aperto de dinheiro. Choro quando Deus me alivia a dispensa. Choro de emoção quando vejo Deus agir, me consolar, e dizer que embora as lágrimas escorram no meu rosto, ele vai apagá-las todas... E vai me trazer alegria tão logo minha vida amanheça, pois o choro pode durar uma noite mas a alegria vem pela manhã.
Choro...
Choro quando penso, quando sinto, quando falo, quando vejo, quando ouço, quando como, quando ando, quando me deito, quando durmo...
Tudo me dói... rir me dói – daí choro. Dói até pra rir. Sabe quando você está machucado e se ousa rir sua carne dói e você chorar de dor de rir?
Choro quando me olho no espelho. Os anos vão passando, deixando marcas... Mas acima de tudo, as marcas maiores, impressões mais profundas não são vistas... Ninguém tem idéia...
Chorar me dói.
Tudo dói...
Estou em carne viva.
Ferida sempre aberta.
Sem pele.
Quebrada. Alquebrada. Quebrantada. Desossada. Esfolada. Machucada.
Ferida aberta. Em carne viva.



DE REPENTE




                                          *Rose Leonel

De repente, o amante
Se fez algoz,
O amado se fez de rogado,
O adorado se fez de
Odiado
O protetor se revelou
Um impostor...


De repente, a vida
Contesta, contenda,
Se arma de fendas e
Suga para baixo
Quem já brotou!



Incontestável,
Detestável,
Indomável,
Inclassificável
Quem um dia  amou
E depois, num golpe de
Pura maldade
Simplesmente odiou!


De repente,
O momento de pura ternura
Se torna uma tela impura
A candura
Desapareceu
E as tintas
Afloraram em profusão-
Profunda confusão!



Confissão,
De amantes refestelados,
Embriagados de pura paixão!
Mas o animal escondido
Do homem, no homem
Foi mais forte que
Seu dono
Mostrou os dentes
Ladrou
Esbravejou
Despedaçou
Dilacerou
O coração
Que um dia,
De quem um dia amou!!!




De repente,
O enamorado
Se fez carrasco
O galanteador
Contaminado
Pelo próprio veneno
Desfez
Em mil pedaços
Lembranças de um passado
Que pra ele, não passou!!!





Envolto em
Migalhas
Cheio de frangalhos,
Repleto de estilhaços
Que cheiram a dor  
A agonia
De mãos amarradas
Tensas e retesadas
Cheias de ignomínia




De repente
A vida
Se fez morte
A luta, batalha
E o dia, uma guerra
Sem trégua
Omissa,
Incompreendida,
Solitária,
Dolorida
Travada em terras
Cruas, nuas, bruscas 
Repletas de afrontas
Escassas de bondade
Contaminadas
De pura perversidade!





De repente,
Você ficou para trás
Não me lembro mais
Do seu rosto
Do seu gosto
Do seu cheiro...
Nem mesmo
De você!!!
Você existiu?!
A distância
Entre o sonho
E a realidade
Tornam inverossímel
Tamanha atrocidade...




Talvez, tudo tenha sido
Um pesadelo,
Talvez, o veneno
Tenha te acometido
Exalado por tuas têmporas,
Se misturado
Àquilo que corre
Por suas veias
Que imita o sangue
Única coisa que
Não o deixa inanimado!






De repente,
Tua máscara caiu!
Te vejo
Fraco,
Impossibilitado
Sem ninguém
Pra aplacar sua ira
Esconder sua vergonha
Esquecer teu passado
Apagar seu desvario!



Perdoar?
Sim!
Para que ajudá-lo a se perder
No ranço de um marasmo
De nostálgica esquizofrenia?!
Perdoar é  libertar
De sua própria vilania.




De repente
Essa história
De fúria
Inusitada
Acaba ...



De repente,
Tudo fica no passado!
A dor,
A vergonha,
A lamúria,
A desventura!
E a maldade
Que assolou terras impróprias
Simplesmente
Acaba
Como
Se nada
Nada
Simplesmente nada
Tivesse, realmente, acontecido!
Tão de repente...



*ROSE LEONEL

  


quinta-feira, 28 de março de 2013

O NOME DA ROSA




Fico me lembrando quando eu estava grávida do Calil. Sozinha, com minha barriga de quatro meses, me sentei na sala de um apartamento em São Paulo e assisti a uma entrevista do Jô Soares. Era uma mulher que havia se tornado famosa pela superação, pela guinada que deu em sua vida.
Ela deixara tudo de sua outra vida, e recomeçou de novo. Não levou nada consigo. Totalmente desapegada, ela tudo de novo, apenas levando a roupa do corpo. E deu certo! Ela recomeçou e venceu!
Assim também quero fazer. E falar: vim, vi e venci!
Aquela noite, vendo aquela mulher que falava sobre o poder de acreditar e  lutar pelo que se acreditava, eu tive um insight. Ali, sozinha, comendo batata Rufles, eu decidi: eu posso e vou mudar minha vida!
Foi preponderante para mim aquela noite. Inspirador. Deixei um casamento falido, uma profissão que já não me entusiasmava mais e fui atrás de outra vida. Mudei tanto que parecia que aquela pessoa já não existia mais e que nunca existiu, talvez...
Então, me tornei Rose Leonel. Minha profissão definiu meu nome. Antes eu era Rosemary Leonel. Depois que comecei a trabalhar como jornalista, precisava de um nome  para assinar as matérias. Assim, cheguei em um consenso comigo mesma e dei origem a Rose Leonel - quatro meses depois que meu filho nasceu.
Hoje, meu filho diz que tem vergonha de mim, que preciso mudar de nome. Ele tem vergonha até do meu nome.
Penso então – eu, mudar de nome?
Não, não me envergonho do meu nome, embora eu pague um preço muito alto pra ser Rose Leonel. Não é para qualquer um... Ser Rose Leonel implica em ser sozinha, cuidadosa, cansada, estressada, conhecida, discriminada e obrigada a lutar contra um estigma que insiste em se estabelecer sobre o nome...E nessa guerra, digo não...-Eu sei quem eu sou e nada vai mudar isso!  E o estigma insiste em me bombardear, dizendo: -Você é pecadora, errada, culpada, criminosa e fadada a sofrer a vida toda. E eu  me ergo sobre essa situação e digo: -Não!
E nessa luta de identidade, entre o que eu sou e o que meu nome representa frente ao estigma que insiste em denegri-lo, entre o que as pessoas pensam que sabe que sou, o pré-conceito, me sinto muitas vezes acuada. Fico zonza e logo choro e penso que eu queria mudar não de nome, mas de vida, de corpo, de país, de mundo... Afinal, ser Rose Leonel não é pra qualquer um!
Daí fico pensando: em quem eu acredito? No que eu acredito?
O que eu quero? Porque estou aqui e porque tudo isso... Mas o único eco que tenho é o meu nome... que me leva a repensar, mesmo que não queira, em quem sou eu. E depois de muita lágrima perdida, eu volto a consciência e me lembro de quem sou eu e de como tenho que lutar pra continuar sendo Rose Leonel!