segunda-feira, 9 de novembro de 2009

UMA ESCOLA BÁRBARA


“Nos nossos dias, o direito de ser diferente é também visto como um
direito humano, que passa naturalmente pela análise crítica dos
critérios sociais que impõem a reprodução e preservação de uma
sociedade (e de uma escola) baseada na lógica da homogeneidade e
em normas de rentabilidade e eficácia, que tendem facilmente a
marginalizar e a segregar quem não acompanha as exigências e os
ritmos sofisticados”. FONSECA, Victor da

Abaixo todos que são diferentes das massas! Abaixo todos que são contra a unanimidade! Abaixo todos que usam cabelo vermelho, mini-saia rosa e piercing no nariz! Abaixo mesmo quem escolhe o rosa, principalmente se for pink, pois chama muito a atenção!!! Todos voltarão sua atenção pra essa cor! E daí, o que será do bege ou do branco? Quem fugir também da cor da raça padrão vigente (pra não dizer negro) ou dos padrões de preferências sexuais (pra não dizer homossexual) socialmente aceitos pela sociedade está abaixo, abaixo de detritos fecais da fêmea do galo (pra não falar titica de galinha)! Por quê? Porque a sociedade impôs e a escola ensinou. Ou foi o contrário? Exageros à parte (é claro que estou ironizando)! Mas pra mim tudo isso é chocante! Me lembro do caso do índio pataxó que foi queimado por adolescentes, que simplesmente se divertiram em atear fogo naquele indígena. Anos atrás, lembra? Naquela época, o Brasil ainda ficava chocado! Mas, era um índio, um diferente de nós! Qual o problema, né?
Me lembro daqueles adolescentes que recentemente agrediram uma diarista, só porque acharam que ela estava trabalhando na profissão milenarmente imposta pelos próprios homens (pela preferência e simples lei da demanda, lei de mercado - da oferta e da procura). Confundida com prostituta, a trabalhadora foi gravemente lesada por jovens vândalos diplomados, que atentam contra a vida, bárbaros, bem nascidos, frutos da sociedade moderna. Ou seriam frutos da escola moderna? Qual o limiar de uma e de outra? Onde uma começa, em grau de responsabilidade, e onde a outra termina?
Agora, G. A. estudante de uma universidade de São Paulo, foi vítima da ação de bárbaros. Eles a humilharam, agrediram verbalmente e até fisicamente – quase a apedrejaram! Pasmem! Ela precisou de proteção policial para sair sem maiores lesões, para não ser linchada.
Mas agora, o cenário não é mais as ruas de Brasília... Nem as de São Paulo, na madrugada que camufla a ação de marginais! Não! O cenário é uma universidade! A barbárie ganha espaço e floresce, vicejante, forte e fortificada (com o devido apoio e aval da filosofia pedagógica da direção da instituição) dentro de uma instituição de terceiro grau, que forma, ou deveria formar, profissionais em um nível de graduação “superior”. Superior???
Veja! A barbárie, dessa vez, não buscou o anonimato das ruas nem das noites e madrugadas... Ela não ocorreu em um bar, em uma boate ou na favela. Ela foi flagrante, explícita e ousada! Elitizou-se! Mostrou suas garras dentro de um ambiente de ensino, de terceiro grau!! E mais! Ela não foi, dessa vez, praticada apenas pelo sexo masculino! Não! Ela assumiu formas femininas – ganhou bocas e braços - de mulheres!
Ela fez um upgrade! A barbárie se sofisticou! Claro que ela já impregnava as camadas mais abastadas, era traduzida pelo gênero feminino também e não ocorria só nas ruas e sargetas, na escuridão da noite. A diferença é que agora ela é clara, é pública e notória! O vandalismo da coletividade, a barbárie atingiu o ápice no Brasil e foi anunciada em alto e bom som, para o mundo todo!
E o pior! As mulheres estiveram à frente desse caso, oprimindo outra mulher. E a barbárie foi anunciada do alto de uma instituição de ensino superior! A jovem estudante foi vítima do que a pequena sociedade, “culta” e “politizada” entendeu (será que raciocina?) como o padrão do certo e errado, o que deve ser aceito ou o que deve ser execrado. Eles a julgaram, condenaram e a puniram!
Mas o ultraje não parou por aí! Esses alunos que praticaram o linchamento moral da estudante foram apoiados pela instituição de ensino, que publicamente, reforçou o comportamento deles! O reforço e a aprovação da barbárie se deu pela expulsão da moça. Expulsão essa que veio na contra-mão da Educação evidenciando a falha da proposta pedagógica e a precariedade da filosofia sócio-cultural da universidade.
Agora eu pergunto o que já estamos cansados de ouvir nos discursos demagógicos: essa é a escola que queremos para nossos filhos? Onde estão os direitos humanos? Onde está o direito de ir e vir, de estudar e de vivenciar a democracia? Resolver normas internas que todo lugar possui, onde vivem pequenas coletividades, é algo que todo grupo, pequeno ou grande tem que fazer. As normas existem, desde dentro de uma casa até dentro de grandes organizações. Mas nenhum regimento interno autoriza abusos ou maltratos. O que não se faz, em hipótese alguma é impor essas normas do certo e do errado, do permitido e do proibido, usando as ferramentas da ignorância, da humilhação, da exclusão e da segregação social. O direito sagrado à cidadania deve ser ensinado e praticado nas escolas. E a escola, como detentora do saber sistematizado, deveria incentivar o indivíduo a estar dentro do processo educativo e jamais privá-lo do direito inegociável do acesso ao saber. Privar um ser humano do ensino pelo credo, pela raça, pela preferência sexual, pela ideologia, pela classe social ou pela roupa, é no mínimo, questionável, pra não dizer um ato bárbaro!

“Nós e os nossos – conclui -, nascidos irmãos da mesma mãe, não pretendemos ser entre nós servos e senhores, mas a igualdade de nascimento nos obriga a buscar também a igualdade legal e a não ceder a ninguém mais, a não ser no apreço da virtude e da inteligência” .
BOBBIO, Norberto


“O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” .
FREIRE, Paulo.

*Rose Leonel

Um comentário:

  1. Análise bacana, Rose. Você jogou luz sobre um caso que está descambando para a mesmice. "A barbárie chegou à universidade". Du caralho.

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