sábado, 19 de junho de 2010

RECONSTRUINDO UMA NOVA CANÇÃO

Olhares-
Invasivos
Dóceis
Traiçoeiros
Cruéis
Implacáveis
Críticos
Desconfiados...
Punitivos.



Rostos-
Julgadores
Sentenciadores
Mudos
Explícitos
Tácitos
Incompreensivos
Duros
Escarnecedores.




Rótulos
Estigmas
Imagem criada
Refletida
Projetada
Desvinculada do objeto
Ganhou vida própria
Já não lembra mais
O ser imitado
Ganhou vida própria
Criou-se um novo personagem
Que ganhou o mundo
Nasceu, cresceu e alçou vôo!!




Esse alter ego, essa recriação
Pouco ou quase nada lembra
Sua antiga matriz
Sutilezas de detalhes
Lembram sua raiz...
Talvez,
O olhar- maroto, alegre.
A atitude- densa, forte.
A silhueta- corajosa, explícita.
Mas mesmo assim
Pouco se identifica
Pouco ficou
Do que se apregoa ser...



A silhueta, foi borrada...
O olhar, deixado em último plano
A atitude, sabotada
Tudo foi mesclado
Juntado a mil impressões –
Baixas comparações
Vis montagens
Covardes recriações
A partir de sórdidas imagens
Cores desconhecidas
Corpos mutilados
Rostos inusitados
Cenas coladas
De mundos diversos
De terras distantes
De gente inocente
Desavisada, paga
Triste, profissional, passional
Figuras desconhecidas
Usadas e exploradas
Vindas de um panorama
Mundial, global, universal!





Essa criação ganhou o mundo,
Conforme a vontade de seu criador
Se fortificou e atingiu maioridade.
Teve tempo e empenho do seu pai para isso.
Tem características próprias
Objetivos definidos
Perfil escancarado
Profissão capciosa
Tem nome
Endereço
Orkut
Email
Celular
MSN





Será que ela existe de verdade?
Paira a dúvida no ar...
Essa imagem
Tornou-se uma febre
Latente no imaginário
De um mundo globalizado.





Abusada?
Emergente?
Tola?
Analfabeta?
Prostituta?
Traída?
Golpista?
Admirada!
Desavisada?
Odiada!
Vilipendiada!
Sensacionalista?
Usurpada!
Violentada!
Violada!
Inverossímil!
Um mito?





Mas o que fica
Nem são as perguntas!
O inconsciente coletivo
Não é de se questionar
Ele apenas assimila
Como leões,
Unânimes,
Abre as mandíbulas
E simplesmente espera
Espera a próxima vítima
Para dilacerar
E degustar cada
Pedacinho sórdido,
Lenta e vagarosamente!
Não importa quem
Nem como
Nem porquê
Apenas caiu na boca
Na boca do povo
E isso basta!
Basta para estilhaçar
Basta para devorar
Saboreando sua presa
Com o prazer inerente do ser humano
Que aprecia sangue
Que se alegra com a desgraça alheia
Que vibra com a carnificina!





Essas bestas sádicas não se perguntam
Não questionam
Nem querem saber!
A busca da verdade estraga o prazer delas!
Elas querem isso!!!
Um prato tão delicioso
Servido quase que semanalmente
Por outra besta
Que alimenta essas víboras
E dá subsídios,
Conteúdo para essa peça
Para essa tragédia
Essa novela!



Uma iguaria
Provida de acompanhamentos,
Uma novela
Cheia de novos e inéditos capítulos
(bem, nem são inéditos)
Mas colocados como se fossem
Já basta, basta para feras
Que apenas querem o desfrute
Sem reflexões ou investigações
Que possam atrapalhar esse maestro!!





Sim, esse grande maestro
Que orquestra essa sinfonia implausível
E dia após dia, semana após semana,
Surgem novos acordes (nem tão novos assim)
Mas as bestas se contentam com as maquiagens!
E esses “novos” acordes, misturados a outras notas,
Nascem de um árduo trabalho
Um trabalho primoroso
Forjado noites após noites,
Um empenho genial, magnífico,
Madrugadas adentro –
E essa ladainha, revestida
Com roupagem superficial
Resulta de um maestro
Meticuloso, subjugado,
Investido de profunda dedicação,
Prisioneiro, cativo
Obcecado, obstinado
Cego, amarrado
Embriagado, encharcado
Imbuído dessa missão:
Orquestrar uma vida
Prendê-la ao sabor de sua criação
Manipulá-la ao seu doentio prazer
Ao som de sua canção!





Mal sabe ele que não se pode determinar uma vida!
Já fomos predestinados
Temos o livre arbítrio
E acima de tudo
A capacidade de escrever
Nossa história.
Assim,
O maestro vai cair
Em sua própria criação
Farsa funesta!
E as bestas
Alimentadas há anos
Diariamente por suas próprias mãos
Serão as primeiras a devorá-lo!



E sua criação
Já adulta, independente
Agindo por si própria
Não tem mãe
E o pai, bem, mero arquiteto
Nada lhe deixou de bom.
Assim, a própria criatura
Pode se voltar contra seu criador
Pois afinal, como ele mesmo pintou
Essa imagem, essa personagem
Talvez seja tão fria quanto ele
E quem sabe ele se torne vítima
De seu próprio veneno....






Ou quem sabe essa re-produção
Se encontre com a matriz
E como mãe e filha, se unam
Se conheçam e se salvem
Uma à outra
E juntas criem sua própria canção
Orquestrada por elas mesmas
Com acordes de
Fé , esperança e amor!




* Rose Leonel








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